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Tuesday, October 14, 2008

Lotaçao Carioca

No espaço reservado para os dois, o espaço propositadamente era cada vez menor. A respiração dela se espreitava dentro do peito toda vez que ele se aproximava. Não era a primeira vez que isso acontecia, claro que não...Tratava-se de mais uma das investidas, ambos sabiam.
Essa bélica tensão aquecia sua nuca, o alívio vinha em forma de um sufocante sorriso, que desfazia por vezes a respiração ofegante, aquele sorriso meio sem graça que não fugia de seu rosto moreno e todo maquiado. Meio pueril e diabólico.
Ele se excitava a cada toque provocado quando meramente só os braços se tocavam. Era o coração dela, no entato, o alvo certo naquele início de primavera, desde o verão passado.
Todo esse frisson contaminava de forma furtiva a todos que se aninhavam naquela atmosfera. Desavisados, alguns riam, outros cochichavam e o clima de paquera contaminava e se acomodava por ali, não só sob o meu olhar.
Assim, o motorista, sua passageira predileta e os demais presentes naquela lotação carioca seguiam felizes, sem encontro marcado com o ponto final.... Sob diferentes ângulos, cada um percorria um sentido. A parada poderia ser em qualquer lugar daquela noite, que nem começava tampouco terminava.
No banco de trás, jovens do Vidigal, a garota de Ipanema, um vendedor de biscoito Globo, torcedores do Mengo, turistas do Marina e o próprio gerente do hotel com seu laptop, todos sem bateria, dividiam democraticamente seus lugares nessa história. Todos se divertiam com o zigue- zague conduzido pela orla pelo "Ôh piloto, pega leve aí!" E, meu olhar marejado não desviava do que acontecia bem ali na minha frente, no banco da frente de uma Kombi.
Ele acelerava e freiava no ritmo do seu desejo. Ela derretia-se com seus gracejos, fazendo subir a temperatura no ambiente. Esses códigos já haviam sido estabelecidos durante as várias viagens, sempre no horário marcado, sabe-se lá em que hora para acabar...
O cenário entre a Vieira Souto e Atlântica era pura ilusão aos meus olhos paulistanos, a história do flerte entre o motorista e sua passageira era a mesma que a minha com a cidade, enredo já batido, mas cheio de surpresas, com um elenco de primeira, sem protagonistas determinados, sem muitos planos de vida para aquela trajetória, todos conhecidos estrangeiros entre si. O chiado do sotaque de cada um fazia parte de um funk mal sintonizado no meu dial.
E, era apenas um sábado dentro de uma lotação na cidade do Rio de Janeiro. Eu já havia me esquecido para onde ela me levava. Aquela era uma viagem com muita história para cantar: Alô, Alô Terezinha, aquele abraço....

- Pega ladrão!

O choque foi tanto que mal consegui gritar para ser socorrida. Fiquei esbaforida, com a voz presa, as pernas fincadas no chão imóveis até que aquela sensação estática que assaltou meus sentidos passasse.

Só assim consegui gritar : “Pega ladrão, ele roubou meu coração!” Nem pegou meu celular, meu nome, apenas meu olhar trocado no sinal de trânsito. De forma virtual, sem intercâmbio de computador, conversas de um chat, eu o conheci de forma instântanea, da melhor forma possível. Conversamos horas a fio pela troca de sinais. Foi o seu olhar, seu sorriso que se infiltraram em mim em questão de segundos.

Eu na faixa de pedestres e ele num carro qualquer, sem cor, sem placa, parando no sinal amarelo.Na minha frente havia o Masp e atrás de mim o parque do Trianon. Sabia que estava na Avenida Paulista, só isso. estava numa cidade grande em busca de minha realização profissional, no coração econômico da grande megalópole, com tantas promessas. Mas, ganhei um desejo, o sonho de um amor em transe. Quando deu sinal vermelho, meu coração estacionou ali, sem pressa. Com o sinal verde eu o perderia, meu coração junto com ele. Isso não poderia acontecer tão rápido. Num flash, imaginei a cidade toda congestionada, apitos ensurdecedores de guardas de trânsito e buzinas de toda sorte me pressionando para caminhar e deixar a vida correr. Nunca desejei tanto que o trânsito da cidade fosse insuportável, como todo paulista esbraveja. Não, eu devia impedir o tráfego livre, devia pedir por mais um momento de caos na cidade naquele sinal. Dei meus primeiros passos, com a garganta seca, a meia boca, pisando no asfalto quente entre listas brancas e pretas como se aquilo fosse a trilha para o caminho certo, obedeci o comando do sinal verde de forma totalmente involuntária. E, comigo, seguiam muitos, cheios de pressa para não perder a chance de atravessar. Eu só queria ficar atravessando aquele trecho, de uma calçada a outra o dia todo, todo o dia. Lá era a minha passarela, uma oportunidade para me exibir para ele. Em meio a tantos carros, porque ele parou bem na minha frente? Era só o meu primeiro dia na grande metrópole e tudo isso já havia acontecido numa rapidez tão desconhecida. Alguém disse,” Vai, vai menina, corre, anda”. Pisquei e meu passo já me distancia metros, kilometros, dele. Me perdi entre tantas pessoas na Avenida. O coração me deu uma pausa. “Ei, garota quer uma carona? “ Olhei para trás, vi que ouvi demais. Ele assim como os demais carros estava parado, no mesmo lugar. Então, olhei pela última vez e marcamos novamente ali, sem dizermos nada. Ele sorriu e seguiu, seguimos.